O MEU AMIGO JOÃO ALBERTO
Alceu van der Sand
Conheci João Alberto Zaiondez há cerca de 37 anos atrás. Quando comecei a me relacionar com a família Pacheco namorando a Isabel.
João Alberto não era homem de muitas letras, mas casado com Suzana, que é professora e alfabetizadora. Ai já começa o paradoxo. Filho de ex- combatente da segunda guerra, orgulhava-se do pai.
O João, para mim, era um dos mais peculiares representantes do homem da lida pastoril. Minha admiração foi crescendo à medida em que o fui conhecendo mais de perto e percebendo que aquele homem que gostava das lides rudes da campanha, de lidar com o gado, laço, pialo, curar bicheira etc., por outro lado, era um gentleman. Acolhedor, respeitoso, sabia ouvir, interagia de forma sempre agradável.
O estereótipo do centauro dos pampas se manifestava quando ele montava o Camundongo, o seu cavalo preferido. Quem observava não precisava entender nada de cavalo, eu não entendo até hoje, mas era a olhos vistos a transformação e o prazer que sentia em cavalgar e recorrer o campo. Sorriso aberto, homem e montaria sintonizados entre si e o ambiente.
Para que você leitor, entenda melhor, de como eu via o João Alberto, faço um comparativo. Ele não gostava do estilo musical de Mano Lima. Sempre repetia isso. E eu, cá com meus botões, sempre pensava: entendo porque não gostas, tu és muito parecido com Mano Lima, a modo de um espelho. Para mim, a música de Mano Lima é uma espécie de depositário cultural de uma determinada linguagem que só existe em alguns ambientes, no caso, o ambiente da pecuária gaúcha. Mantidas as devidas diferenças, João era assim. Tinha tiradas muito próprias, algumas palavras cujo significado, para mim, meio colono meio urbano, difícil de entender. Não havia problema nisso, ele explicava o significado com alegria. O fazia reboleando pelo ar sua mão calejada com um dos dedos encolhido, fruto de um acidente de trabalho. Bahh, e volta e meia o homem se lastimava. Na motosserra, então..., era quase um Jason.
Não era um grande fazendeiro. À medida em que os campos de pecuária foram sendo substituídos pela soja, João dizia: - Meu campo e meu gado me dão de viver. É isso que eu gosto e assim vou seguir. Resistiu com a pecuária até onde pode e logo a doença o obrigou a tomar caminho distinto.
Um baita contador de causos de pescarias, de caçadas (quando caça foi proibida, obedeceu a lei), conhecia os rios, os poços, os pesqueiros da região dos rios Toropi, Jaguari e tantos outros. Muitos destes causos contados no acampamento do seu Olinto, junto com o seu João, Ica, Feliciano e outros. Que bons tempos!
Eu acho que um dos maiores desafios de sua vida, e que sirva de exemplo para os ficam, foi vencer o álcool. Em radical decisão, deixou do álcool que atrapalhava seu dia-a-dia. Tenho certeza, foi forte como poucos. Sobre isso, poderia escrever mais uma meia dúzia de páginas. Paradoxal.
E tem mais... quando iniciei, falei que ele era um gentleman. Nunca vi João ser desrespeitoso com quem quer que fosse. Era rude em algumas coisas, mas jamais machista, homofóbico ou outras destas desgraças que vemos e ouvimos nos dias atuais. Não raro, vestido com suas bombachas, suas “chancretas” e camisa polo, era visto carregando flores que eram entregues a sua amada Suzana. O fazia com gentilezas e trejeitos que lhe eram próprios.
Foi criado no campo e toda sua formação dali era oriunda, mas não perdia um Big Brother. Acompanhava e xingava os participantes. Por isso, digo, paradoxal. Se alguém perguntasse porque acompanhava o programa, respondia: “porque eu gosto, pronto”. O cara que caçava capivara, pescava traíra, jundiá, se enfiava em banhados e outras coisas, gostava do Big Brother.
Já mais recentemente, adotou um esporte, bocha na grama. Praticava no CTG e até foi competir em outros pagos arenosos do litoral gaúcho. Talvez, tenha sido uma importante válvula para aliviar e mitigar as dores que sentia e sabia que o espreitariam logo ali na frente.
Um último registro: João cultivava amigos, tinha amigos de fé. Conheci alguns. Mas tinha um em especial, sem dúvidas. Nos últimos anos, em todas as vezes que nos encontramos, mencionava o Gervásio, como seu amigo-irmão. E amigos na vida, os de verdade, são poucos. João sabia cuidar disso.
Enfim, João Alberto, escrever e registrar as boas memórias que tenho de você é uma forma de dizer o quanto eu gostava de ti e te admirava. Descanse em paz.