22/01/2011

Os radialistas de Tupanciretã

Padre Landell é o patrono dos radioamadores do 
Brasil
Roberto Landell de Moura (Porto Alegre21 de janeiro de 1861 — Porto Alegre, 30 de junho de 1928) foi um padre católico e inventor brasileiro.
É considerado um dos vários "pais" do rádio, no caso o pai brasileiro do Rádio. Foi pioneiro na transmissão da voz humana sem fio (radioemissão e telefonia por radio) antes mesmo que outros inventores, como o canadense Reginald Fessenden (dezembro de 1900). Marconi se notabilizou por transmitir sinais de telegrafia por rádio; e só transmitiu a voz humana em 1914.
Pelo seu pioneirismo, o Padre Landell é o patrono dos radioamadores do Brasil. AFundação Educacional Padre Landell de Moura foi assim batizada em sua homenagem, assim como o CPqD (Centro de Pesquisas e Desenvolvimento) criado pela Telebrás em 1976, foi batizado de "Roberto Landell de Moura".



   Este cidadão Baiano começou a sua vida no rádio em Tupanciretã, veja este resgate histórico gravado e produzido pela rádio da Famecos em 10 de outubro de 2006, tendo na Produção:Brígida Sofia, Helen Lopes, Karina Reif, Lara Ely, Letícia Carlan, Mariana Duda, Thais Fernandes

JOÃO CARPES NETTO

P - Seu João, diga para nós qual todo seu nome, idade e local de origem.
JC - Meu nome é João Carpes Netto, nasci em 08 de junho de 1939, é o que consta no registro, mas eu nasci um ano e meio antes, por que na verdade nasci na Feira de Santana, na Bahia. Meu pai era tropeiro de mulas e foi lá levar uma tropa de mulas quando conheceu minha mãe. Retornou à Feira de Santana e eu já estava brincando no chão, despreocupado da vida, com seis meses, dentro de um balaio. Como meu pai havia prometido para minha Mãe que na outra viagem ele me traria, juntamente com ela, e aí foi que eu vim. E o meu transporte foi o que hoje não mais existe. Eu vim dentro de uma bruaca, um cesto de taquara grande forrado, e eu vim ali dentro. Do outro lado, os pertences da minha mãe. E ela vinha numa outra mula, por que na época se usava mula, não o burro, que é mais dócil para este tipo de transporte. E foi assim que eu cheguei aqui. Meu pai chegou num local entre a cidade de Júlio de Castilhos e Tupanciretã, num local chamado de São Pedro. Aí então é que eu fui batizado e registrado em Tupanciretã. Então, embora nascido na Bahia, eu sou há 67 anos gaúcho.
    P - A sua relação com rádio, quando foi a sua primeira experiência, quando nasceu seu fascínio?
   JC - Eu conheci um aparelho de rádio escuta, eu tinha sete anos, que foi meu padrinho que comprou, foi uma façanha imensa. Locutores falando, a música tocando e eu fazia volta em torno daquele aparelho para saber como as pessoas falavam e a música rodava de dentro daquela caixinha. Eu era pequeno, e ele era um móvel grande. Passado cinco anos, já com doze, na minha fase de maioridade, no colégio Grupo Escolar Joaquim Nabuco, em Tupanciretã, saiu uma festa e o locutor, apresentador, o Enio Burtet que sempre fazia as apresentações não pôde comparecer. Ele estava doente, e aí sobrou para mim. A diretora Hilda Nelli Zapa disse João, é tu que vai apresentar a festividade.
    P - O senhor não ficou com medo?
   JC - Não eu não tremi, quem tremia era o papel (risos). Mas era um tremor de nervoso. Mas como era eu que tinha desempenhar aquela função, fui obrigado e desempenhei, me saí.
   P - E qual foi o assunto de seu tema de estréia?
   JC - Era o desfile e as comemorações de sete de setembro.
   P - E o senhor narrava?
   JC - Cada escola tinha um grupo e eu apresentava o nome de quem fazia a coreografia, qual era a música e quem cantava. Tinha quem declamava e recitava, enfim, era esse o estilo da festividade, depois do desfile.
   P - Mas essa professora deve ter percebido seu perfil entre tantos alunos para lhe escolher?
   JC - Eu na verdade imitava o Enio fora do movimento, depois que terminavam as festividades, a título de gozação. Eu tinha um vozeirão. Por isso, meu castigo foi fazer a voz dele de verdade. Depois eu gostei e, quando ia na cidade, ver os circos, parques e quermesses da Igreja católica para arrecadar fundos e eu fazia apresentações por lá. O locutor oficial sempre queria namorar quando chegava gente de fora e eu ficava no lugar dele. Foi em 1953 ou 1954 que surgiu o serviço de auto - falante, a Voz Alegre em Tupanciretã, hoje é a rádio poste. Eram dois alto falantes colocados na avenida principal e o estúdio. Eram aqueles dois pratos enormes, a tecnologia da época. Eles estavam anunciando: precisa-se de locutor, de um jovem que queira fazer teste. E eu fui nessa. Minha madrinha me incentivou.
  P -  Isso com que idade?
  JC - Tinha 14 mais ou menos. Aí fui fazer o teste, meio nervoso também, porque era algo mais sofisticado para a época e coisa desconhecida para mim. E passei no teste, até porque não apareceram outros. Aí me deram os textos para ler, mostraram como ligava e eu fiquei, já que tinha uma noção. E sozinho naquela peça, fiquei bem à vontade. Só voltavam na hora que fechava. Me deram a vaga e lá me dei bem. Aí surgiu a rádio Tupanciretã em 1955 e aí terminaram com a rádio poste. E eu para ganhar um dinheiro e não ficar sem fazer nada, meu pai me financiou uma lenheira que cortava toquinhos de árvores para os fogões a lenha, eu e mais uns três amigos. Todos ouviam a rádio, porque só existia ali nas proximidades a rádio Júlio de Castilhos, na qual eu vim trabalhar depois, e a Rádio Cruz Alta.
P - E o senhor não teve interesse de trabalhar nessa rádio?
JC - Tudo bem, até aí não havia o interesse, aí eles começaram a chamar.
P - Até tem uma história interessante, a da construção desta rádio de Tupanciretã, foi porque o padrinho do dono era amigo de Getúlio Vargas, né?
JC - Exatamente. Sílvio Aqüino era padrinho de Manoel Jacques Coimbra. Mas aí eles chamaram pelo rádio: "senhor João Carpes Netto favor comparecer a rádio, assunto de seu interesse".
P - Que idade o senhor tinha?
JC - Eu já tinha 15 anos. A minha mãe insistindo, porque ela pegou...o meu pai pregou uma tábua assim, perto da janela e botaram aquela baita caixa,né. Um aparelho RCA VICTOR do tamanho de um armário quase, né. E aquilo tava a todo volume, por causa do barulho da serra, e ela disse: "Ah, João! Tão te chamando na rádio, tu tem que ir na rádio". Eu digo: "mãe, deixa, eu to trabalhando, tenho tantos mil achas de lenha pra entregar". "Mas tu tem que ir lá". Meu pai também: "Ó guri, vai lá, quem sabe isso é uma coisa boa pra ti e tal". Eu digo, "Eu vou pai, calma, calma". "Deixa isso ai que o pai faz pra ti", eu digo não, deixa ai. À noite funcionava o parque na cidade, né, e eu digo "deixa, quando eu for pro parque eu passo lá”. E aí, lá chegando, aquele estúdio muito bem montado, dois microfones...estava lá o Arvey Wass, que tinha sido um dos donos dessa rádio poste. Ele tava no estúdio da rádio, daí me chamou: "Passa pra cá".
Ai eu passei, normal, mas pensei que era pra conversar com ele, que era algum assunto que ele queria comigo. Conversamos um pouco ali, e ele disse "Olha, fica um pouquinho ai que eu já volto". Tudo bem, fiquei. Ali tinha uns papéis em cima da mesa, e ele saiu e fechou a porta do estúdio por fora. E tinha um operador de áudio, que se chamava sonoplasta na época, ai ele ligou a luz do estúdio que indica microfone aberto. Eu pensei: "e agora, o que eu faço?", e olhava pra tudo quanto era lado, ai ele disse "fala", e eu "fala o que?". Tudo com mímica, pois o microfone estava ligado. Até que ele pegou um papel e levantou. Ai peguei e fui lendo o que tinha ali. Meio engasgado, até que terminou, ele entrou com uma música, ele abriu a porta por fora, ai veio toda a família do seu Coimbra lá: "Ó, foi aprovado. Nós escutamos"...que a residência do seu Coimbra era na própria casa da rádio.
E eu "Aprovado no que?". E ele "Ah, tu vais trabalhar conosco. Vem aqui de manhã fala comigo e trás a tua mãe e teu pai", porque eu era menor. Naquela época tinha que ter até a ordem do juiz para o menor trabalhar. Daí "risquei", me fui pro parque, era a minha diversão. Chegando lá, peguei o microfone do parque e segui né. Dali um pouco estava ele e a família toda me escutando, também, no parque.
P - E como é que foi a reação em casa?
JC - Eu digo, "Olha, é pra mim trabalha na rádio". "Ah, mas tu vais trabalhar na rádio?". Claro e disseram pra senhora ir lá, o pai também, que ele quer falar com vocês. Ai, tudo bem. Ai a minha mãe, mais que depressa, botou a roupinha de passear e foi comigo. A baiana foi lá comigo. Ai a gente chegou lá, tomamos chimarrão. Ele disse "O João fez um teste ontem, a gente gostou muito da voz dele. Ele vai ter que se adaptar pra certas coisas, mas a gente vai ficar com ele, pra trabalhar conosco na rádio". Daí a minha mãe "Tem certeza, isso é uma verdade, ou é um...". E ele "não, é verdade, a gente gostou dele, o Wilson Borba também recomendou ele, tudo bem, a gente vai ficar com ele ai". Ai foi que comecei a minha carreira de radialista, dia 19/02/1955, ou 56.
P – Meio século de rádio então?
JC – Sim, meio século.
P – E como era esse programa que o senhor passaria a apresentar?
JC – Não era um programa específico. Era uma programação musical. Quem tinha programas específicos era o Arvey Wass, o Wilson Borba, e o dono da rádio. A maioria era música, música e música.
P - E não tinha notícia?
JC - Não, a notícia foi implantada depois. Até por sugestão minha, foi implantada a notícia na rádio Tupanciretã.
P - E que tipo de música que o senhor tocava?
JC - Música era de todos os gêneros possíveis: gaúcho, sertanejo, que tinha muito naquela época. A música gaúcha não tinha muitos artistas gravados. Tinha muitos artistas gaúchos, mas não tinha gravação. Mais de São Paulo, Rio, do norte, lá da Bahia aqueles xaxado, baião, merengue. E música Argentina, uruguaia e paraguaia. Então eram esses os estilos de música. A gente conseguia comprar em Santa Maria, Cruz alta. Ou até mesmo vinha a Porto Alegre comprar. Porque as gravadoras ela não repassavam os sucessos, as músicas, como fazem hoje. Então tudo era comprado. E doações, porque se usava as pessoas lá, como o rádio era difícil, se usava muito os gramofones, os toca discos, as próprias pessoas compravam seu repertório.
P - A comunidade doava?
JC - Sim, foi feita uma campanha, e depois cada um doava aquele que não gostava mais. Uns vinham com defeito né, eram discos de 78 rotações, e era “um chamamento de gato”. Ligava o rádio e os gatos vinham pra perto, pois era um enorme chiado. Mas é assim que começou a funcionar a rádio Tupanciretã. Depois, à medida que a gente foi se conhecendo mais, tomando mais conhecimento do que seria a qualidade de uma rádio. O seu Coimbra não tinha experiência de rádio.   Ele era um plantador de alfafa. Mas ele era afilhado do Coronel Sílvio Aqüino, que era se São Borja, e amigo pessoal do Getúlio Vargas. E ai ele conseguiu, uma autorização para uma rádio em Tupanciretã. Só tinha em Júlio de Castilhos e Cruz Alta. Depois São Gabriel se escutava muito, que era uma rádio muito boa. Mas era tudo em onda média. Era onde média ou a onda longa.
P – E como era o retorno financeiro da rádio?
JC – O retorno, em princípio, ele era bom. Era comercial, convite pra bailes, pra festas, convite pra enterro, convite pra missa. E o que se chamava de dedicatórias, ou homenagens sociais. Quando havia uma pessoa de aniversário, a família e os amigos ofereciam uma música. Havia pessoas que eram campeãs de homenagens. Tinha a esposa do prefeito lá, o senhor Clodomiro Machado, ele foi prefeito duas vezes, era funcionário da Viação Férrea, então eles eram campeões. Tinha a esposa do seu Lelo também, que era um comerciante muito benquisto. E outras figuras populares. A esposa do seu Carlos Mariense de Abreu, que era fazendeiro, seu Clarinto Pinto, que era prefeito, a esposa dele. Cortava-se toda a programação, com exceção da transmissão da missa, e de um programa gaúcho, que era apresentado aos domingos pela manhã, direto do CTG, pelo Benito Dias. O resto a gente enchia o espaço da programação, até uma da madrugada, com aquelas homenagens.
P - Quantos habitantes tinham Tupanciretã naquela época, mais ou menos?
JC - Na época devia ter 11 mil, porque as concessões eram dadas e até hoje são dadas pelo Ministério das Comunicações para municípios que tenham mais de 10 mil habitantes.
P - Tinha quantos locutores essa rádio?
JC - Era um revezamento porque o Wilson Borba era bancário, o Arvey Wass era relojoeiro, ele fabricava jóias, né, no tempo que o relojoeiro fabricava as jóias recebia suas peças de relógios, né, avulsas assim, e montava o relógio. Ele era um excelente ourives. Tinha o Carlos Reis, o Carlos Ney Gomes que ficou por pouco tempo, era eu, e o seu Coimbra que era o dono da rádio.
P - Você era o único que levava isso como profissão mesmo, profissão única?
JC - É simples, era eu, porque o Elpídio Portela também era bancário do antigo Banco da Província. É, era aquela fobia de falar numa rádio, né, agora eu encarei como gosto pessoal, eu levei a sério, eu pegava jornais em casa, recortes de jornais.
P - É, porque o senhor resolveu colocar as notícias na rádio, o que não era comum?
JC - Porque na verdade eu ouvia as outras rádios, e elas tinham o noticiário e eu achei que a Rádio Tupanciretã tinha que implantar também o noticiário, e aí eu fui encarregado. Mas as noticias não eram como hoje. A gente tinha United Press, a Frances Press, a UPI, mas tinha que pagar a essas agências pra elas mandarem as notícias para a rádio, e a rádio não tinha cacife financeiro para isso. Então eu resolvi que nós devíamos fazer um noticiário a noite, às 20:00 horas, com recortes de jornais que vinham da capital, de Santa Maria e do Diário Serrano de Cruz Alta, mas eram noticias já ultrapassadas, mas que valiam a pena para encher o espaço de uma hora com informações.
P - Muita gente não lia jornal?
JC - É, em parte sim, mas conseguimos também uma autorização do delegado para pegar as ocorrências policiais e ele classificava as que deviam sair e as que não deviam sair. O Fórum Cível também colaborava. O juiz fazia um programa também com assuntos relacionados aos processos, chamando pessoas que deviam comparecer no Fórum para tratar assuntos de seu interesse. Então a gente enchia aquele noticiário mais ou menos assim.
P - O senhor também disso que criou uma técnica para "furar" todo mundo, né?
JC - Sim, eu tentei, fiz uma experiência em casa. Meu pai tinha um rádio muito bom, era um RCA Victor muito bom, e eu gostava de escutar rádio à noite. Em Onda Curta eu conseguia pegar o Noticiário para as Américas que tinha pela rádio Estocolmo da Suécia e a BBC de Londres. Tinha uma rádio de Lisboa em Portugal, que dava o noticiário em português para as Américas. Eles faziam em vários idiomas, e eu me interessava pela aquela parte que vinha em português,  e copiava, rabiscava mais ou menos o assunto, depois eu desenvolvia o assunto daquela noticia. Foi assim. Daí que começamos a botar as notícias mais recentes, mais atualizadas, que até foi surpresa para o próprio gerente da rádio. Foi aí que li um recorte de jornal de São Paulo ou do Rio, oferecendo um curso de taquigrafia à distância e eu resolvi então tirar aquele curso de taquigrafia. Foi muito complicado para mim. Me confundi com aqueles risquinhos, aqueles pontinhos, eu não me adaptei e digo "olha eu não quero mais eu quero uma máquina de escrever. Então em vez de pagar o curso comprei uma maquina de escrever. E ai veio de Porto Alegre uma máquina de escrever usada. Só quem tinha curso de datilografia era a esposa do dono, então como ela não entendia a minha letra, ela disse” olha, tu tem que tirar um curso de datilografia". Fiz o curso de datilografia e passei a redigir as notícias. Eu pegava essas noticias à noite, era das 24hs em diante, da meia-noite em diante. Até às 5 horas da manhã tinha esses noticiários, e às vezes era eu que abria a rádio às 8hs da manhã.
P - Não dormia?
JC - Eu chegava na rádio tava "pregado", mas  eu cumpria com aquela  tarefa, daí passamos a fazer notícias assim já de hora em hora, de duas em duas horas, depois a gente fazia o repeteco  na  noite, mas aí a gente já tinha largado na frente daquelas noticias que vinham nos jornais. Aquilo foi um assombro, foi um grande avanço para a própria rádio porque conseguiu o apoio da Cooperativa Rural Serrana, que era um grande órgão lá, que podia financiar, patrocinou e enfim aquilo já foi mais um avanço para a rádio.
- O senhor tinha que idade nessa época já?
JC - Eu já tinha 16 pra 17 anos.
P - Em dois anos o senhor já mudou a rádio.
JC - Também implantamos a transmissão da missa, transmissão de um programa direto do CTG, um programa de auditório, programa de calouros. A gente foi fazendo e incentivando a população a gostar da rádio, então ela andou muito bem a rádio foi muito bem, a gente transmitiu tudo, a gente transmitiu carreiras, carreiras de cancha reta, transmitimos campeonato de bolão, corrida de bicicleta, gincana de colégio, transmissão de futebol intermunicipal a gente fez também algumas loucuras que eram com transmissores de rádio amador.
P - Vocês deixaram duas cidades incomunicáveis? Como foi isso?
JC - Sim, isso aconteceu durante uma corrida de automóvel, que era por tempo, entre Júlio de Castilhos e Tupanciretã, mas não tinha uma fórmula da gente transmitir sem ser por telefone, e a telefonia naquele tempo não era muito avançada como hoje. Daí conseguimos uma autorização da CRT, para usar a linha que saia de Tupanciretã para Cruz Alta, Santa Maria e Porto Alegre, etc. A gente conseguiu, Tupanciretã e Júlio de Castilhos ficaram isoladas do mundo. Quem quisesse telefonar não tinha condições porque nós estávamos ocupando aquela única linha lá na CRT. Eles cortaram e desligaram a ponte e disseram: "a linha é de vocês". Ao longo deste percurso nós instalamos amplificadores e uma série de equipamentos para transmitir de vários pontos, por exemplo, em Abacatu, São Pedro, São João do Barro Preto, Mario Abreu  que eram as localidades com mais importância, e também na fábrica. Tinha uma fábrica onde moem o osso e fazem adubo, calcário e tipo de uma vitamina para o gado. Então cada um, quando passava um carro daqueles, ia narrando de acordo com o que acontecia.
P - Não aconteciam problemas estas transmissões?
JC – Vários, de cortes e ruídos. Imagina você transmitindo numa linha que era um fio só. Teríamos que por um fio terra na saída do aparelho e a fase. Usava-se a fase e o terra aterrado e a rede também aterrada para poder ter aquele retorno. E o retorno a gente não tinha. A gente não sabia o que estava acontecendo.
P – Então vocês não sabiam se estavam se atropelando uns em cima dos outros?
JC - Não porque a gente tinha o receptor de rádio. O retorno era pela rádio, aí a gente ouvia. A gente se atropelava, mas aí o outro parava. Quando via que o outro chegava, saia fora. Mas tudo bem, como a gente não tinha sinalização, não tinha uma pausa certa para a gente parar e o outro entrar, isso era no grito.
Vocês aprendiam a fazer rádio fazendo.
JC – Exatamente. Eu não tenho faculdade, eu não tenho curso de jornalista, radialista...o curso que eu tenho é a FM, a faculdade do mundo. Em aprendi fazendo. Eu cravei poste, puxei rede de fio. Subi em poste, tomei choque.
P - As pessoas da comunidade ajudavam?
JC - A gente tinha aqueles voluntários, mas que muitas vezes serviam para o serviço mais rude.
P – Houve uma história de um colaborador em relação a uma antena de arame farpado?
JC - Não era arame farpado. Era um arame liso de cerca. Nós fomos transmitir a semifinal de um campeonato de futebol em Ibirubá e levamos um transmissor de ondas curtas de 85 metros que não conseguiu chegar até o transmissor da rádio. Mas aí eu disse: "nós temos que transmitir, nós temos um compromisso com o patrocinador". Alguém disse que havia um fazendeiro que tinha um transmissor de 80 metros. Bem, então vamos falar com ele que estava na arquibancada para assistir o jogo. Ele disse: "o meu transmissor é grande, tem que buscar lá". Daí deu a chave para um empregado dele e disse: "olha tu desliga tudo lá e bota na caminhonete e traz". O jogo atrasado esperando que a rádio transmitisse, inclusive a rádio de Ibirubá. Era de interesse porque o Grêmio Esportivo era de Tupanciretã e tava muito bem colocado na chave. Daí foram lá os peões dele e pegaram o transmissor. Quando olhei me apavorei, era um roupeiro. Um transmissor de 250 / 500 wats de potência. Uma potência. O homem falava com o mundo. Tudo bem aí está o transmissor. Perguntei: "Vocês trouxeram a antena?". Não dava pra tirar, era uma antena de 25 metros de altura. Por fora do estádio havia uma cerca. Eu falei com alguém: "não dá pra gente cortar um pedaço?”. A resposta: " Olha tem que falar com o dono da chácara". E o jogo atrasado. Foi aquela correria. Eu digo: "consigam umas taquaras". Prontamente eles trouxeram umas não sei de onde surgiram duas taquaras. Cortamos o arame trouxemos e fixamos as taquaras e erguemos. Fizemos o normal da antena, ligamos o transmissor e eu chamei o estúdio aí os caras disseram, "baixa isso aí, vai arrebentar nossos ouvidos. O que deu nesse transmissor?", eu disse: "depois eu conto". Baixamos o volume e segue o baile. Transmitimos o jogo normal com um transmissor de rádio amador e um arame de cerca e tudo saiu perfeito. Hoje com a tecnologia e celulares às vezes não dá certo.
- Mas não tinha um colaborador que tentou ajudar e tomou um choque?
JC - Tinha, esse foi em Júlio de Castilhos. Ele era mudo, muito prestativo. Onde a gente ia fazer alguma coisa ele ia junto aí puxava fio, carregava caixa enfim, um bom amigo que gostava da rádio. Tava sempre por ali pelo estúdio, mas era mudo só havia comunicação por sinais. A gente entendia porque conhecia a ele, às vezes entendia às vezes não. Em uma transmissão de um jogo de futebol na rádio Julio de Castilhos a gente puxou uma extensão de fio e por descuido ficou um fio desencapado e ficou encostando na tela do estádio. Mas tudo bem, ta tudo pronto, vamos começar. E começaram a transmissão da partida até que a gente ouviu um grito desesperado: “MAMÃÃÃEE!” Fomos ver e estava lá o João grudado no fio, daí corta, puxa até que alguém arrebentou o fio e pára a transmissão. Vamos lá ver como é que tá o João, dá água para ele, leva ao hospital. Mas não aconteceu nada graças a Deus.
P – Ele não voltou a falar?
JC - Aí os comentários eram de que a rádio tinha feito um mudo falar. A primeira palavra dele foi ali. Mas depois nunca mais, perdemos o colaborador. Ele até ia lá, mas chegar perto do balcão, do alambrado não era com ele mais.
P - E quando o senhor foi para essa rádio em Júlio de Castilhos?
JC - Houve uma decadência na rádio Tupanciretã em 1974 e eu fui em 1976 para a rádio Júlio de Castilhos. Mas nesse meio tempo entre 72 e 76 onde houve a quebra. O dono se acidentou. O negócio relaxou, ele perdeu o interesse pela rádio. Aí eu fui trabalhar em São Luiz Gonzaga, Ijuí, Passo Fundo. Mesmo quando eu tava na rádio Tupanciretã eu fui chamado para fazer a inauguração de várias rádios como de Santa Rosa e Cerro Largo.
P – Mas como é que o senhor era emprestado para fazer a inauguração?
JC - Era pra chamar as autoridades, fazer a primeira transmissão. E organizar a programação, fazer a grade da programação. Às vezes eu ia pra essas rádios ficar 15 dias e ficava 3 ou 4 meses. Era difícil na época, não tinha profissional de rádio. Quem queria profissionais do rádio tinha que pedir para as agências de publicidade aqui de Porto Alegre ou para o Sindicato dos Radialistas para enviar pessoas qualificadas, e era caro.  Saía muito pesado para uma rádio. O melhor era fazer radialistas do próprio local, escolher pela locução, pelo timbre de voz. A gente ia na marra. Poucos daqueles que começaram comigo seguiram no rádio. Eu é que adorei e continuei até hoje. Não sei se está no sangue, não acredito que o rádio está no sangue, mas eu tenho um gosto muito pessoal pelo rádio. Eu admiro. Eu chego em uma cidade e vou conhecer a rádio, conversar com o diretor, eu vou ver os estúdios, ver o equipamento. Eu sou fascinado pelo rádio.
Seu João, o senhor que rodou por todas essas cidades e todas as rádios, tem alguma história que tenha realmente marcado?
Eu também queria que o senhor falasse como o senhor foi recebido em alguns lugares, a gente conversou antes sobre o preconceito, pois o senhor é negro, e naquela época não era muito comum...
JC – É, relativo a isso, têm várias histórias, mas a que me marcou e eu quase desisti de ser radialista foi quando eu fui inaugurar a rádio de Cerro Largo e o padre era o diretor da rádio, e era polonês. Mas eu não sabia de nada, daí eu fui a Cerro Largo, desembarquei e fui ao hotel. Tomei meu banho e fui me apresentar na rádio, cheguei lá, a secretária pegou a minha carta de apresentação, olhou pra mim e disse: "Lamento, mas o senhor não vai ficar". Eu digo: "Não, tudo bem, por quê?" Ela assim, a freira era brasileira né, aí ela disse: "O padre é polonês e é racista". Eu digo: "Meu deus, o que eu faço? Ah, mas eu quero me apresentar". Ela foi lá, me anunciou, mas não disse ao padre que eu era preto, que eu era negro. Chegou lá e disse: "Ta aí o funcionário que vem emprestado da rádio, para a inauguração da rádio". Faltavam três dias para a inauguração. Ele disse: "Manda passar". E eu passei. E ele não quebrou a mesa porque a mesa era forte, deu um murro na mesa e exclamou: "Mas tu é preto!" Eu digo: "E o senhor é polaco". Vou fazer o quê? Eu não tive outra resposta pra dar pra ele. Aí piorou mais a situação, o polonês não gosta de ser chamado de polaco, mais brabo ele ficou comigo. "Sai daqui". Eu digo: "Tudo bem, eu saio, mas o senhor vai ter que me pagar o que prometeu e eu estou indo embora. É só isso aí, me paga”. E tudo bem, não teve mais discussão e eu fui, saí, fui para o hotel. E digo: "Olha vou esperar o dinheiro meu lá no hotel”, saí tudo bem. Freira disse: "Olha o senhor desculpe". Aí fui para o hotel e o dono do hotel era português e aí ele: "Eu já sabia que isso ia acontecer, não quis te dizer para não te magoar na tua chegada, mas não te preocupa porque o padre é o diretor da rádio, não é o dono. Eu sou o maior acionista da rádio, tu vai ficar". Aí tudo bem, devia ser umas cinco horas da tarde. Já não tinha o que fazer mesmo, sem compromisso nenhum, fui tomar vinho junto com ele, porque Cerro Largo é uma colônia de várias origens também, alemão, polonês, italiano. Aí fiquei por ali, eu vi o português ali, aquele fone de manivela chamando uns e outros: "Vem aqui". Aí tudo bem, mas eu nem to preocupado com isso, mas aí daqui a pouco chegou o prefeito e não sei quem mais, o dono da loja, aí sentaram na mesa onde eu estava. E eu contei a história pra eles: "Foi assim, assim". Ele disse: "Não, não vai ficar assim". Daí, no outro dia, fui lá pegar a planilha do programa, daqui a três dias seria inaugurada a rádio, eu tinha que tomar conhecimento, de quem eram as autoridades convidadas, qual era a programação, enfim. A programação de inauguração. E aí a freira que me atendeu, me deu tudo lá, me explicou, sentou numa mesa: "E é isso e aquilo". Eu digo: "Tá, mas eu não conheço as autoridades, conheço agora o prefeito, o presidente da câmara de vereadores eu não conheço. Tem que ter alguém para me assessorar, para me dizer aquele lá é tal". E não teve dúvida: "Mas o senhor vai ter um assessor lá". Fui lá para o hotel, deitei, peguei os papéis, já fiquei conhecendo certas "figuraças" que iam lá na inauguração. No dia de inauguração, era na praça central e tudo pronto. Olhei pra tudo quanto era lado e o padre não estava. Mas tudo bem, ele não foi.
Daí feita a inauguração, fomos para o estúdio, foi lá no estúdio também as apresentações, a solenidade de cortar a fita simbólica. Aí o padre estava lá. Nem falou comigo. No coquetel ele ficou o mais longe de mim que pudesse. Mas tudo bem, não tinha preconceito. Quem tinha preconceito era ele e não eu. Terminou tudo, era o meu compromisso, fiz o meu compromisso. Aí no outro dia fiquei no hotel para receber o meu dinheiro. Aí ele foi, o padre mesmo. E estava cheio de gente. Ele disse: "Eu quero pedir desculpa", aí ele me abraçou. E ele: "Eu quero pedir desculpa que eu errei na chegada dele". E eu: "quem tem que perdoar é Deus". E ele: "Não, mas eu quero que tu fique para organizar a programação da rádio e treinar algum funcionário". Tudo bem, mas eu achei que ele não ia ser tão cordial comigo, e foi uma criatura maravilhosa. Aprendi muito com ele. Ele foi excelente diretor, depois eu fiquei seis meses lá. Aí primeiro ligou para Tupanciretã, entrou em contato com o diretor da rádio, disse que ia precisar de mim lá. E não fiquei mais porque me deu saudade de casa.
P -  Mas o senhor já teve outra situação de preconceito?
JC - Não, em Santa Catarina, por exemplo, mas aquilo era involuntário, era uma coisa assim, acho que de praxe deles, porque na verdade eu sou o segundo radialista negro a transpor, a sair do Rio Grande do Sul, o outro foi o Nei Lopes que foi para a rádio Nacional do Rio de Janeiro e depois foi para a BBC de Londres. E depois eu que trabalhei em Santa Catarina e depois trabalhei em Pato Branco no Paraná. Então, eu sou o segundo negro a ser radialista e a sair fora do Estado. No Rio Grande do Sul também sou o segundo radialista negro. Em Santa Catarina foi muito. Era normal chegar assim no visor e olhar: "Ah, mas é um negro, é um preto". Mas aquilo eu já não tomava como ofensa, porque eu mesmo, a princípio, tinha um certo recalque comigo. Eu tinha vergonha de chegar em um lugar sofisticado. Se fosse em outra época nunca que eu ia entrar naquele restaurante ali. Eu ficava lá fora esperando vocês, eu era um racista, não sei como, mas eu era um racista de mim mesmo, eu não me misturava assim com pessoas brancas eu queria estar no meio da negrada mesmo. Eu jamais chegaria em um restaurante assim que tivesse toalhas e coisa e tal, que tivesse um garçom atendendo. Mesmo com dinheiro, eu achava que aquilo não era para mim. Mas quando eu fui ajudar inauguração da rádio da cidade de Santa Rosa, o padre Donadel, Antônio Donadel, me convidou para ir num jantar que tinha lá, e eu disse que não iria. Ele me perguntou: "Por que tu não vai?" E Santa Rosa era terra de origens e eu digo: "Eu não vou, o que eu vou fazer? Um preto no meio dos brancos, vou ser uma mosca no leite". Aí ele disse: "Não, tu vai sim". Aí me chamou lá numa peça e me deu uma preleção e me fez entender que eu mesmo era o preconceituoso. Aquilo me serviu como uma grande lição. Aí eu perdi isso aí com o passar do tempo. Eu também tive problemas em Ijuí. Quando cheguei lá eram cinco concorrentes. Eu fiz o teste e tive melhor pontuação e um dos diretores não queria que eu ficasse por causa da cor, porque eu era preto, era negro no caso. Aí o diretor, me foge o nome dele agora, que era o dono da rádio Repórter de Ijuí, disse: 'Não. Ele vai ficar porque ele foi o melhor classificado, ele vai ficar. Se o senhor não quer, o problema é seu, ele vai ficar'. Aquelas coisas que...
P - Sempre tinha alguém que dava um jeito de reconhecer o seu valor...
JC - Sempre tinha alguém. Eu fui passando por isso. Começou a melhorar...o racismo foi terminando.
P - Por que o senhor veio para Porto Alegre? Quando, como, por quê?
JC - Eu vim porque as rádios do interior do RS já estavam sendo problemáticas. Começou a surgir também a categoria de vocês, os formados. Passo Fundo já tinha faculdade de jornalismo, Santa Maria teve também faculdade de jornalismo e aí começaram a despejar radialistas e jornalistas e entendidos em rádio. E afilhados: “bota o fulano aí, porque ele se formou”. E aí foi ficando escasso...
P - O senhor acha que essa formação acadêmica foi um diferencial. Seus novos concorrentes vieram mais fortes ou não houve diferença?
JC - Houve diferença...são dois fatores: a evolução do rádio na programação, nas potências das rádios e a tecnologia. Nós não conseguimos alcançar o conhecimento daquilo. Principalmente para quem não tinha faculdade, né? Não tinha feito um curso mais avançado.
P - Em algum momento o senhor se sentiu em desvantagem?
JC - Sim, exatamente. Terminaram os testes, quando chegavam ali cinco ou seis da localidade, faziam aqueles testes e salve-se o melhor. Aí já era escolhido. Ia-se a Santa Maria ou a Passo Fundo e já trazia no colo o profissional com conhecimento de rádio e de jornalismo.
P - Aqui em Porto Alegre o senhor disse que chegou a trabalhar na parte técnica?
JC - Sim, fui operador de áudio da Difusora Porto Alegrense, que foi vendida para a Bandeirantes. Na implantação da FM da Difusora, fui eu que ajudei a inaugurar. Não tinha locução direta, eram gravações. Gravava-se em outro estúdio e depois se largava em fitas. E fui operador de transmissores da RBS, na Ilha da Pintada. Eu não pude ficar no grupo que depois veio para a RBS porque eu não tinha curso universitário. Não tinha o registro. Sobramos três: eu, o Sarrafo e o Pedro. O Sarrafo era operador de câmera. O Pedro trabalhava no sistema de gravações. Nós três aprendemos fazendo. Como no exército eu tinha tirado um curso de hidráulica, comecei na construção civil. Mas sempre que eu ia numa cidade para cá e para lá, ou na minha cidade, Júlio de Castilhos ou Tupanciretã, eu visitava o rádio.
P - E como é a sua história com a rádio comunitária?
JC - Na verdade eu sempre estive pesquisando sobre rádio, tomando conhecimento sobre rádio. Daí eu tomei conhecimento desta lei. Antes da lei, existia a rádio Favela no RJ, que era uma rádio pirata. Eu vi que existia essa rádio lá, chamada de comunitária e também de pirata. Eu me interessei por isso. Querendo saber como funcionavam estas rádios. Sabia que produzia em baixa potência e tal. Mas aí, houve um sufoco já lá no Rio e em São Paulo e Minas, que é onde surgiram as rádios comunitárias e eu perdi o contato com as pessoas. Tomei conhecimento por acaso através de um jornal do RJ e um primo meu me ligou um dia, um primo que era engenheiro, disse: “Tá surgindo aqui um novo tipo de rádio”. E não me disse mais. Ficou de me mandar mais detalhes, mas aí já veio o sufoco...
P - Isso foi antes de sair a lei?
JC - As rádios comunitárias no Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais surgiram antes da lei.
P - O que eles chamam de pirata?
JC - Sim, eram as rádios piratas, eram transmissores feitos por um rádio técnico e eles viviam correndo de um lado para o outro com aquele equipamento, como até hoje as rádios comunitárias correm da Anatel e da Polícia Federal. A verdade seja dita. A lei diz que as rádios comunitárias que não tiverem outorgas são clandestinas.
P - E a outorga é complicada...
JC - A outorga é complicada. Eu estou há oito anos batalhando por uma concessão para uma rádio da Santa Isabel e agora parece que já está na última etapa, que vai lá para câmara, senado e presidente da República. Mas é um processo muito complicado.
P - Há oito anos a papelada está rolando?
JC - Oito anos. Sete anos mais precisamente, eu comecei em 1997, 1998.
P - Mas ela funciona?
JC - Sim, ela funciona. Nós tivemos a prioridade de ganhar uma concessão provisória. Agora foi extinta esta licença provisória, não tem mais. É um salve-se quem puder. Aí vem um emaranhado de rádios comunitárias, todo mundo quer por rádio comunitária. Tem que haver uma separação de rádios comunitárias e rádios comunitárias.
P - Que tipo de separação? O que tem que ter uma rádio comunitária?
JC - A rádio comunitária é aquela que segue à risca a lei. A rádio que não é comunitária é aquela que foi apadrinhada por um político, pelo prefeito, pelo deputado, pelo senador, pelo governador...ou por uma igreja também que utiliza a compra de um transmissor. Usa o nome de comunitária, se esconde atrás da fachada de comunitária, mas é uma rádio religiosa.
P - Como o senhor tomou a decisão de...
JC - Um amigo meu que era sindicalista que me deu esta idéia. Ele disse: “Por que tu não põe uma rádio comunitária?”. Mas até aí eu não tinha o conhecimento na íntegra da lei. Eu não sabia como começar e ele disse: “Eu te levo num local em que eles têm isso aí”. E me levou no gabinete do deputado. Aí me deram todas as coordenadas, me deram tudo. Peguei a lei e levei para casa para estudar. Levei quase uma semana estudando. A princípio achei que não tinha condições de fazer porque era muita coisa, muito complicado. Mas à maneira que eu fui lendo, fui me entrosando com a matéria...e concluí, é possível. Eu não sabia que era complicada a burocracia. Pensei: “faz tudo isso que eles pedem e, em seguida, vem”. Mas nunca. Enviei para os órgãos competentes de Porto Alegre, em Viamão, o cartório de Viamão, Receita Federal, CNPJ, tudo certinho e quando abriu as inscrições, eu entrei com os papéis e foi para Brasília. Pensei: 'agora, em seguida, vem'. Aí começaram a vir os pedidos: 'falta isso, falta aquilo'. E está se arrastando até agora. Mas agora graças a Deus, com esforço, a gente conseguiu... agora só falta passar pelas comissões de Justiça, técnica, pela câmara, pelo senado e a sanção do presidente da República. Graças a Deus pelos menos essa etapa já está cumprida. Agora é só aguardar... Não sei quando, quantos anos mais. Mas venci essa batalha.
P - Qual era a sua estratégia para conseguir, para extrair das fontes o que o senhor queria. Qual era o jeitinho que o senhor tinha no contato com as fontes?
JC - Isso vem à medida que a gente se entrosa que se está no ambiente, vem praticamente ao natural, tu aprende a ser publicitário, tu aprende a apresentar programa, a tua mente vai desenvolver para aquele segmento que tu quer. O aprendizado te ensina. Tu ouves as outras pessoas fazendo. Não digo que copie, sou contra copiar. Acho que cada um tem que ter seu estilo próprio. Eu tenho meu estilo próprio, eu criei meu estilo próprio de apresentar programas, de entrevistar. Se bem que eu não sou muito bom em entrevistas. Aprendi a fazer pela necessidade do momento. Hoje eu não tenho medo de entrevistar uma autoridade qualquer aí. O presidente da República, que é a mais alta autoridade, ou um militar, enfim, eu não tenho receio. Não tenho medo de apresentar uma orquestra, um conjunto porque eu apresentei grandes nomes da MPB.
P - O senhor lembra de algum?
JC - Roberto Carlos, Wanderlea, Wanderlei Cardoso, Teixeirinha e tantos outros.
P - O senhor apresenta programas agora na rádio comunitária?
JC - Não, eu agora só pertenço ao Conselho Regional de Rádios Comunitárias, agora eu estou afastado do rádio, não estou fazendo rádio. Estou envolvido na parte mais burocrática.
P - E qual a importância da rádio comunitária para a comunicação, para este pessoal que está saindo. O mercado está difícil, não tem espaço... Na sua opinião, qual o valor da rádio comunitária?
JC - O valor da rádio comunitária é que ela é uma rádio de comunicação de massa. É uma rádio que se tiver a programação adequada para a região que ela está, será de grande auxílio para a cultura do local, do município, e a própria cultura para incentivar às crianças, a tirar estas crianças da marginalidade. Enfim, mostrar que aquela dona-de-casa tem uma receita própria dela de bolo. Por exemplo, dizer que fulano de tal é pedreiro e precisa de serviço. Uma seção de empregos...a rádio comunitária com uma grade de programação bem montada, é útil para a própria comunidade onde ela está servindo, onde ela está instalada. E o caso de vocês, por exemplo, que estão saindo, acho que devem se aproximar também das rádios comunitárias para emprestarem este conhecimento que vocês estão tirando, este conhecimento acadêmico, para aquelas pessoas que não tem conhecimento. Na verdade quem coloca uma rádio comunitária dificilmente é jornalista formado. Quando muito tem este curso que é pago ainda pela Feplam. São os curiosos. Quem põe uma rádio comunitária tem várias facetas: é um curioso, gosta de fazer rádio, é um radialista que não conseguiu oportunidade em uma rádio grande, ou tem fins políticos ou comerciais. São várias categorias que se envolvem com rádio comunitária. Agora, fazer rádio comunitária é bem diferente.
P - Essas vivências que o senhor está nos contando são coisas que ninguém aprende na faculdade. O que o senhor guarda depois dessa sua longa trajetória do aprendizado de ser um radialista, e qual o seu recado para nós que estamos saindo para o mercado?
JC – Olha, eu sinto que cumpri uma tarefa como radialista. O recado que eu deixo para vocês é que não desistam daquilo que vocês querem ser. Se vocês querem ser jornalistas, se vocês querem ser radialistas, querem ser apresentadores, querem ser locutores, sigam em frente. O mercado está aí. Com dificuldade, mas está aí. No futuro quem sabe virão as rádios digitais, quem sabe se abre mais espaço e quem sabe se vocês vão ter a oportunidade que eu tive. E eu me sinto feliz, me sinto satisfeito, gratificado. Tive altos e baixos. Fiz mais amigos que inimigos. Não desistam.

Produção:Brígida Sofia, Helen Lopes, Karina Reif, Lara Ely, Letícia Carlan, Mariana Duda, Thais Fernandes.

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