13/06/2012

Ilo Brum um Tupanciretanense de Tropeiro ao idealismo cultural de Tupanciretã







Um taura que tem história para contar


Reportagem : A Voz do Jari e Lagartus Produções

   Numa dessas frias tarde de outono, uma doce saudade tocou na porta de nossas lembranças, trazendo à tona muitas reminiscências de um lindo passado. Foi então, que nos deparamos com a estirpe de grandes gaúchos que marcam a nossa história do tradicionalismo. E, entre eles, a figura de um grande taura que tem histórias para contar. E, sem pressa, lá nos fomos até o rancho do nosso querido tio Ilo Brum, com o qual saboreamos um gostoso chimarrão, regado a muitas charlas.

    Mesmo surrado pelas intempéries do tempo, esse tropeiro, como um centaura da tradição, trazendo na alma a sua autenticidade de gaúcho, cavalgando lembranças, fez uma fantástica reculuta dos seus feitos, e de invernada em invernada, repontando fascinantes histórias, nos presenteou com um manancial de conhecimentos sobre a nossa cultura.

    Partindo da sua estância, onde viveu a beleza da sua infância e o alvor da sua juventude, esporeando desafios que a vida nos apresenta, tio Ilo, abrindo o bau de tantas reminiscências, repontou os mais lindos e tocantes momentos da sua trajetória de vida.

   Lembrou a história dos seus ancestrais, isto é lógico, porque os bons frutos valorizam as suas raízes e a seiva bruta da genética que corre nas suas veias, como a identidade da sua origem.

   E aí, aos poucos, numa viagem ao tempo, junto a ele fomos rememorando tempos idos do CTG Tapera Velha, junto ao imortal patrão Faeco, do qual por muitos anos foi capataz. Relembramos dos primórdios da história desta entidade, das tertúlias no Frigorífico, onde, numa semana Farroupilha, no palco da carroceria de um caminhão, foi apresentada a peça "O Bataclã", mostrando glamour, charme e a beleza da mulher gaúcha. Destas cenas, eu nunca esqueci. E lá estava o tio Ilo, como sempre bem pilchado apresentando a tertúlia que, para ele, era uma realização. E, assim, com muita modéstia, tio Ilo, aos poucos, no pingo das lembranças, ia pealando recuerdos, mas que, com a ajuda dos companheiros sempre trazia resultados satisfatórios, pois a memória é uma caixinha de surpresa, onde se guarda tudo o que há de melhor. E, uma vez aberta, nos impressiona com as tantas relíquias que saltam aos nossos olhos e falam aos nossos ouvidos.


E percorrendo longinquos horizontes do tempo que ficou pra trás, chegamos à Reculuta Cultural e Campeira, por tio Ilo, lá em meados de 90, idealizada e realizada na Associação Atlética Serrana. Foi este um grande evento com tertúlia, rodeio, acampamentos, entre outras atividades. Congregou um grande público e participantes. Acredito que foi esse evento que deu embasamento ao grande festival da Semeadura da Canção Nativista de Tupanciretã, que também teve a imprescindível ajuda deste grande tradicionalista. Tio Ilo relembra alguns fatos, e sempre reforça que o intento era de fazerem as coisas certas, mantendo a autenticidade das raízes da música regionalista. E, assim, por muitas edições da Semeadura tio Ilo foi comentarista das músicas participantes.

  E, assim, enquanto o chimarrão, passando de mão em mão, aquecia o frio que no final da tarde avançava sobre a Terra da Mãe de Deus, num ambiente bem propício, chegamos ao tempo das tropeadas. Tio Ilo foi tropeiro, muitas tropas conduziu daqui para São Luiz, e para vários municípios daquela região missioneira. O tempo passou, mas a marcante lembrança deste tempo é viva na sua memória. Ser ponteiro de tropa era o seu lugar predileto. Isto porque, conta ele que a harmonia do seu canto e assovio compatibilizavam com a vontade dos animais que o seguiam sem problemas. Para ele, o gado, na época, zebu, era dócil e tinha muita sensibilidade. Então, era só estudar o que prendia a atenção dos animais para induzi-los a sua vontade como ponteiro.


E assim nos lembram os Bertussis com essa música que fala sobre Tropeada


O Tropeiro
Os Bertussi


Pelo grito se conhece, vem lá longe o tropeiro
Já se ouve a boiada e as batidas do cincerro
A tropa vem se espalhando, vem seguindo o madrinheiro
E lá no coice da tropa, sempre alegre altaneiro
Junto com a peonada, vem gritando o tropeiro

E na costa de um capão, ou na beira de uma aguada
O tropeiro encosta a tropa, para fazer a sesteada
Tirando de uma bruaca, a chaleira enfumaçada
Um saco de revirado, carne gorda bem charqueada

No entrar a boca da noite contando suas gauchadas
Em cima de seus pelegos, vai deitando a peonada
No romper da madrugada, cantando sua toada
Se ouve o grito do ronda, botando a tropa na estrada

E o tropeiro vai embora, seguindo sua jornada
Só o rastro da tropa fica, pela estrada empoeirada
 
  Naquele tempo os campos eram abertos, não havia cerca à beira das estradas. Então, numa tropa tinha de dois a quatro culateiros que ficavam às laterais. Também tinha os madrinheiros e os que trabalhavam no reponte do gado. Tinha o patrão e o capataz da tropa. Os alimentos como carne charqueada, arroz, biscoito quebra-queixo, café, entre outros, eram guardados nas bruacas, que eram feitas de lona com tampa e colocadas num cargueiro, transportado no lombo de um cavalo ou burro. As tropas demoravam muitos dias, inclusive, às vezes, pegavam chuva. Conta tio Ilo que para as pousadas eram escolhidos lugares que tivessem aguada, galpão, e de preferência um seguro para o gado. Quando não era possível, eles pousavam ao relento. Usavam os ponchos que eram emendados com nós para fazerem uma espécie de barraca para se protegerem da chuva ou do frio. E quando não tinha cerca, alguns dos tropeiros tiravam a ronda da tropa, amanheciam cuidando do gado para que ele não se extraviasse.

  Não era fácil, lembra tio Ilo, mas era gratificante. A gente gostava da atividade. E falando de muitos feitos, tecendo muitas recordações, tio Ilo nos encantou com os lindos quadros imaginários que nos apresentou. E, com esta vasta experiência, tiol Ilo também participando do I Encontro de Tropeiros da Entidade Nativista Taquarembó, muito contribuiu contando fatos relacionados ao tempo das tropas por terra, pois hoje, o avanço do progresso cortou as estradas substituindo a terra pelo asfalto e a trafegabilidade dos caminhões. E, neste encontro, tio Ilo lembra do meu pai Otto Porto da Silveira, que também foi tropeiro, e participou do encontro levando importantes informações ao grupo. E a história das tropas segue o seu rumo através das vivas enciclopédias que vão registrando esses feitos de geração para geração.

E, depois, como mensagem tio Ilo, com muita emoção, pede que a juventude aproveite seu tempo. Que os jovens vivam esse tempo maravilhoso, procurando fazer as coisas certas, firmando-se nos princípios de honestidade, dignidade, verdade e autenticidade. Que aproveitem cada momento da melhor forma possível, pois a vida passa. Tudo passa, e de tudo só ficam lembranças porque o tempo não volta mais. E de tudo, só fica a saudade. Por tudo isso, tio Ilo é um baluarte do tradicionalismo, um centaura do tempo que, a cada dia, muito ensina e nos mostra a vida como um divino dom

Fonte: Jornal A Voz do Jari - Edição 764 - 15/06/2012

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