13/07/2013

Coluna de Honório Lemes em uma das passagens em Tupanciretã

“- A minha observação estava certa: o inimigo tomara a direção por mim prevista. Tanto assim que, logo depois, ao alcançarmos São João-Mirim, caía como uma bomba o boato de que, em casa dali vizinha, se achava gravissimamente ferido um dos chefes da coluna de Honório Lemes. 
Foto tirada dentro da prefeitura de Alegrete após a cidade ser ocupada por Honório Lemes. Em primeiro plano os 9 irmãos Alves e a esquerda de H. Lemes o Dr. Alexandre e o Dr. Antero Marques. ( cortesia do Dr. Carlos Roberto Dias Roque- Mano Roque).

Não foi fácil conter a nossa gente e mantê-la em forma, ao se propalar nas fileiras essa noticia! É que, momentos atrás, todos tinham contemplado, à beira da Lagoa da Mortandade,
A alguns anos atrás me relataram uma situação neste local aonde encontraram munição, moedas e ..

 estendido e degolado, o cadáver do nosso infortunado soldadinho, como que reclamando represália! Consegui, não obstante, impor-me e fazer prevalecer as normas de disciplina e humanidade, que nortearam sempre a conduta dos nossos comandados: nenhuma vingança seria tomada.
Efetivamente, os revolucionários, confiantes em nossa nunca desmentida clemência, haviam deixado, em tratamento, na casa do Sr. Libindo Pereira Viana, o Tenente-Coronel Democratino Silveira e o Tenente Flores Trindade, ambos apresentando ferimentos de importância. Conhecia, do tempo em que dirigiu as construções dos torreões do haras Assis Brasil, no Itaiassu, o Sr. Democratino Silveira, moço afável, laborioso e de correto proceder. Ao penetrar no quarto da fazenda em que o hospitalizaram, achei-o deitado, enormemente pálido e com a barba preta crescida de meses.
Antes de o cumprimentar, as primeiras palavras que lhe dirigi foram estas: ”Então, amigo, é nesta situação que o venho encontrar?” Respondeu-me: ”Que quer, doutor, são ideias!”
Afirmei, incontinente, que tudo quanto podia fazer era garantir-lhe a vida!
Aspirou fortemente, dando-me a certeza de que, até ali, estava temeroso do que lhe podia advir. Negou-se com dignidade, a informar-me do rumo tomado pela coluna rebelde. O companheiro, porém, que estava deitado sobre um colchão, no assoalho, intervindo, disse: “Que sabe ele, doutor, se todos vão como maleta de louco!”
Tocando-lhe os pés, senti-os congelados. Interroguei-o sobre se já havia sido medicado. Respondeu-me negativamente e, levantando as cobertas, quis mostrar-me o terrível ferimento, pelo qual ainda sangrava.
Sabendo que o Tenente-Coronel Mallet dos Santos, também ferido gravemente, partira de automóvel para buscar recursos médicos em Tupanciretã, estranhei que o não tivesse acompanhado. Respondeu-me não lhe ter sido possível suportar os trancos e baques da viagem. Percebia-se, pela palidez, que perdera muito sangue e, pelas contorções, que continuava sofrendo intensas dores.
Acalmei-o com a promessa de que seria atendido e medicado pelo Dr. Aires Maciel, nosso medico, que vinha à retaguarda.
Havia dezessete anos que estivera naquela casa, quando da viagem por mim feita para ir visitar, em São Luiz, o meu saudoso e grande chefe, Senador Pinheiro Machado, de memoria refulgente e imortal.
Fora ali agasalhado e cercado de atenções inolvidáveis. O Sr. Libindo, casado em segunda núpcias, tinha aspecto de ser duas vezes mais velho que a esposa, jovem e bela. Davam a impressão, apesar da diferença de idade, de viveram tranquilos e felizes.
Almocei em companhia do casal, desalterei-me com uvas excelentes e até passei a cavalo pelos campos, onde o bom do velho Libindo mostrou-me os bezerros da primeira mestiçação do gado crioulo com o zebu. Sobressaía das demais a que denominaria Flor da Serra, uma novinha osca-oveira, produto daquele cruzamento.
Vinha, passados quase vinte anos, tornar a vê-los: ele, octogenário, e, ela, com os cabelos brancos como neve!
Acolheram-me como da outra feita, com satisfação e fidalguia, levando-me para o interior do lar abençoado, onde serviram-me, em grandes chávenas, café com leite, acompanhado de rico bolo e manteiga!
Refeição deliciosa. Repetia, sem nenhuma cerimonia, pois há mais de trinta horas nada comera.
Os bons velhinhos, ao mesmo tempo que me cumulavam de gentileza, lamentavam, incessantemente, as condições dolorosas em que, forçado, voltava a visita-los. Narraram-me os episódios dessa noite, quando Honório Lemes, Batista Luzardo e outros chefes, tão ou mais famintos que eu, ali chegaram para pedir-lhes alimentos: invadiram a casa até a cozinha e lá mesmo prepararam e comeram o que foram encontrando.
Manifestei-lhes toda a minha gratidão e, antes de partir, deixei por escrito ordens terminantes ao comandante da retaguarda para fazer respeitar a casa, seus moradores e os dois feridos nela em tratamento.
Esse documento foi achado, dentre os papéis do episódio daquele digno fazendeiro patrício, pelo doutor Pedro Pinto, médico em Tupanciretã e meu dedicado e prestimoso amigo.”

Apoio: Cap. Moisés Menezes

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