Tinha apenas um par de chaves inglesas, para as quais um raio curvado de bicicleta servia como adaptador: não contava nem com recursos para a compra de porcas e parafusos.
Revista Bicicleta por Anderson Ricardo Schörner
William Kamkwamba nasceu e cresceu em Malawi, um dos países mais pobres do mundo, marcado pela mortalidade infantil e baixa expectativa de vida.
Em sua vila não havia saneamento básico, água corrente e eletricidade. Em 2002, com 14 anos, William precisou deixar de frequentar a escola. Seus pais, assolados pela fome, não tinham os 80 dólares anuais para a taxa da matrícula.
Mesmo assim, o garoto continuou estudando de forma autodidata, em uma pequena biblioteca, de um só cômodo, bancada por doações do governo norte-americano.
Novos ventos começaram a soprar no pequeno mundo daquele garoto, quando ele encontrou o livro Using Energy, sobre moinhos de vento. Apesar do livro ser em inglês, idioma que William não dominava, ele persistiu em estudá-lo, e descobriu como os moinhos de vento podiam ser utilizados para gerar eletricidade.
A energia, segundo William, representava o poder e a liberdade para seu povo. O moinho também poderia bombear a água, e melhorar a colheita e a própria distribuição nas casas.
Por três meses ele buscou em latas de lixo, materiais que poderia usar para construir seu moinho. Coletou pedaços de canos de PVC, uma hélice de ventilador de trator e uma bicicleta quebrada. Tinha apenas um par de chaves inglesas, para as quais um raio curvado de bicicleta servia como adaptador: não contava nem com recursos para a compra de porcas e parafusos. Aprendeu mais sobre magnetismo, condutores, dínamos, e fez o inimaginável: construiu um moinho de vento.
Um moleque de 14 anos, em um país de extrema pobreza da África, ousara criar um moinho de vento com peças de uma bicicleta velha, ao invés de se acomodar, reclamar e se contentar em viver de doações da ONU!
Kamkwamba conta que ouvia comentários do tipo: “você é doido, está fumando maconha demais!”, para os quais respondia: “vejam esta foto no livro! Este moinho não caiu do céu, alguém o construiu!”
Terminado seu primeiro moinho de vento, William equipou sua casa com quatro lâmpadas elétricas, rádios, interruptores feitos de sandálias de borracha, e instalou um disjuntor para evitar que o telhado de palha de sua casa pegasse fogo. O projeto deu certo, e chamou a atenção de seus vizinhos. Logo o moinho foi divulgado na mídia e o garoto foi convidado para apresentar seu trabalho na Technology
A notícia se espalhou e William Kamkwamba passou a viajar pela África, contando sua história e ensinando a construir moinhos. Quando Bryan Mealer, jornalista especializado na África, ouviu William, passou um tempo reunindo material até escrever o livro The Boy Who Harnessed the Wind ( O Menino que Domou o Vento). O livro já consta na lista de Best Sellers do New York Times.
Hoje, aos 23 anos, o Menino que Domou o Vento estuda na renomada Universidade de Joanesburgo, na África do Sul, onde conseguiu uma bolsa de estudos. Já viajou pelos Estados Unidos, onde participou de diversos programas, como o Daily Show.
A lição que fica é que precisamos parar de arranjar desculpas. Um garoto como William, que não tinha dinheiro, que teve que deixar a escola, e que por certo enfrentou dias em que não tinha sequer comida em casa, tinha todas as desculpas do mundo nas mãos; mas ao invés de se encolher, ele usou suas mãos e sua inteligência – que não é algo que se adquire apenas nas escolas – para mudar a realidade de seu povo, de sua vida, e escrever seu nome na história.
Conhecer alguém que saiu de um pequeno país da África para apresentações em Oxford, na Inglaterra, emociona e reacende nossos próprios sonhos.
E temos muito que aprender com os moinhos. De certa forma, um moinho de vento se assemelha muito aos pedivelas de nossas bicicletas: ele capta e converte uma energia em outra forma de energia, capaz de movimentar outros mecanismos.
Cada um de nós é responsável por construir o seu próprio moinho. Uma história assim mostra que não é preciso acesso à internet, não é preciso revolta e ódio diante das dificuldades. Quem escolhe o caminho da raiva está predestinado ao esquecimento; William Kamkwamba é que será lembrado. Quem constrói moinhos de vento, e ousa sonhar e enfrentar a realidade é que merece ser lembrado.
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